sábado, 26 de dezembro de 2009

O combustível da emoção

Há uma historinha nos livros de Carlos Castaneda que costuma ser lembrada entre seus leitores. Ela trata do que considera os quatro inimigos do conhecimento, sendo o primeiro deles, o medo. No curso da luta para alcançar o conhecimento, ao vencer cada um dos inimigos adquirimos um próximo grau, que vem a ser também o próximo inimigo: a clareza, o poder... e em seguida ele nos surpreende com o quarto e último inimigo, a velhice!
Há uma conexão entre essa história, o chacra do coração - que é outra história, de outro sistema de crenças – e a emoção, central na reflexão que pretendo desenvolver.
Pacientemente podemos tecer a teia que unifica estes pontos aparentemente separados.
Para nosso estudo, o chacra do coração é de fundamental importância. Dele se costuma falar ser o Centro do Amor.
Nesse momento não estamos mais no referindo ao Amor que une homens e mulheres, e sim à importância dos sentimentos. E ao papel que a emoção desempenha na nossa graduação espiritual.
A maioria de nós, senão todos, já experimentou momentos de paixão, da intensidade do sentimento amoroso. Então conhecemos o fervor que nos acomete quando possuídos por ela, e como se altera todo o nosso campo energético em função dela. Como que tomados por uma febre, nos carregamos de energia para as tarefas que o coração ordena.
Emoção, etimologicamente falando, vem de e–movere: “mover-se para fora”. Ela representa movimento em direção a algo maior que nós mesmos. Será pelo veículo da emoção que passamos a entender esse mundo que está além de nós, em um nível representado pelo objeto de um amor romântico, e depois em outro pelo amor ao nosso grupo familiar, em seguida à nossa aldeia, nação, raça...
O amor neste estado febril é um profundo alterador de consciência. É por ele que encontramos o êxtase
[1] - os muitos êxtases que experienciamos nesta vida, do êxtase sexual ao êxtase místico. Neste estado amoroso todo o nosso espírito “amolece” e nossos chacras se flexibilizam, e nossa percepção se torna receptiva.
A experiência desse tipo de “alteração de consciência” ocorre em muitos momentos de nossa vida, às vezes decorrentes de um acontecimento forte, positivo ou negativo: seja a perda de alguém querido, um acidente que quase nos leva a morte, uma paixão resultado de um encontro amoroso, romântico, ou mesmo o contato com uma paisagem deslumbrante! Pode ocorrer também devido a um sonho que nos marca. Às vezes nos chega por um simples pôr do sol, ou por um sentimento de bem estar no alto da montanha. O fato é que a experiência nos marca, muitas vezes para sempre.
Lembramos dela como um ápice de nossa vida, quando temos certeza do rumo tomado pela nossa vida, quando sentimos que ela finalmente vale a pena! São momentos como que se movimentassem camadas profundamente subterrâneas de nosso ser. Camadas arqueológicas expelidas como lavas por uma erupção.
Tudo em nosso ser se agita e se movimenta, e muda de lugar. Ao final desse processo é como se saíssemos reorganizados, faxinados, energizados para as transformações necessárias.
Esse momento de êxtase místico também pode tomar formatos mais dramáticos. Esse aparelhinho organizador de nossa psique, que chamamos de “ego”, não dá conta da tempestade que o fustiga – e momentaneamente se desintegra. Então vivemos os casos de surto, em que o indivíduo sai temporariamente do ar, e vive uma aflição, uma espécie de desordem psíquica. É o que certas linhas da psicologia chamam de crises de “emergência espiritual”
[2], ainda mal compreendidas pela psicologia tradicional – e que não devem ser confundidas com desordem psiquiátricas, que é de outra natureza. Na crise de “emergência espiritual”, que é transitória (embora requeira cuidado e o acompanhamento de alguém experiente), o indivíduo sai “reorganizado” e de posse de um nível superior de consciência a respeito de si, da vida e da espiritualidade.
Essas crises são reincidentemente relatadas em nossa literatura psicológica e religiosa, e foram vividos por muitos místicos das mais diversas vertentes religiosas, como Santa Teresa De Ávila, Santo Inácio, Lutero e fundadores de muitas religiões.
O que interessa para nosso relato é entender a importância da emoção na experiência religiosa – na nossa experiência! A emoção é o passo necessário para acessarmos os planos superiores e misteriosos da alma, e a energia que vem dela é a condição sine qua non para a reforma íntima, para a cura, para a limpeza que clamamos aos céus.
Todas as grandes tradições espiritualistas da humanidade desenvolveram “técnicas” para isso. Para calar a mente e possibilitar o aflorar dessa emoção. Sejam os mantras tibetanos, os giros sufis, a dança dos ritos afros, as ladainhas católicas, as danças em roda do universo indígena, as exortações pentecostais, as danças indonésias, os jejuns hebraicos e mulçumanos. As danças, os cantos e os sons são usados para isso. Os gongos taoistas, os sinos católicos, o om budista, os atabaques da Umbanda, os maracás indígenas. A mórbida auto-fragelação de certas seitas católicas filipinas, ou os castigos corporais de uma infinidade de práticas xamânicas ao redor do mundo. Outras formas de estímulo sensorial também são usadas. Os templos monumentais da Igreja Católica medieval, com suas estátuas e pinturas. Técnica sagrada às vezes utilizada fora do contexto religioso, como no caso da arquitetura nazista, mas que buscava produzir o mesmo fervor religioso voltado para outro fim – a glorificação da superioridade da raça ariana.
Há também o uso de substâncias no ambiente ritual, facilitadoras dessa emoção religiosa: o vinho católico, o soma sagrado hindu, os cogumelos conhecidos como “carne dos deuses” pelos astecas (e outros pelos celtas, balineses, etc), os alteradores utilizados pelos oráculos gregos, no culto dos Eleusis, a maconha pelos sacerdotes africanos, e claro, talvez nem precisasse citar a jurema, e a ayahuasca entre os índios brasileiros.
Tudo isso (substâncias, danças, música, práticas corporais diversas, arquitetura, arte) usado com o fim de propiciar a emoção religiosa. Sempre lembrando que – ainda que religiosa, antes de tudo é uma emoção. E que se torna religiosa pelo contexto e fim com que é direcionada.
Estamos nos referindo, portanto a uma ‘tecnologia do sagrado’, que tem em comum a busca da emoção. Ressaltando: não qualquer emoção, mas a emoção religiosa. E não qualquer emoção religiosa, mas cada um procurando dar forma para essa emoção de acordo com o conjunto de preceitos que professa, de acordo com sua doutrina.
Por isso o que nos interessa aqui é onde a emoção nos ajuda em nossa caminhada: que é o contato com nossos Guias espirituais.
Um dos Mestres da Vida que encontrei em minha caminhada falava o seguinte: a saúde está no trânsito!
Com isso ele se referia à imensa capacidade da vida se renovar, em um ciclo e fluxo contínuo e infinito. A vida fora de nós, e dentro de nós! Que é UMA só! A natureza tem essa maravilhosa capacidade de regeneração e, por algum motivo, nós permitimos, às vezes, que esse fluxo vá parando dentro de nós, e se estagnando.
Nossas negatividades, na forma do medo, das neuroses, dos traumas, da ignorância, são como vazamentos energéticos que enfraquecem a dinâmica da natureza dentro de nós, e fazem essa roda deixar de girar. Em outras palavras, o fluxo kundalínico que nos move se cristaliza naquelas partes do corpo físico, mental, espiritual, que correspondem aos conteúdos que nos negativaram. Ou seja, algo estagnado em nós corresponde a uma estagnação em vários planos, e nos órgãos corporais correspondentes.
A saúde está no trânsito quer dizer que temos que trabalhar permanente para não permitir que a energia da consciência seja interrompida em algum lugar, e isso só pode ser obtido com o autoconhecimento, que pode chegar até nós por uma série de práticas e técnicas.
Do ponto de vista espiritual, o que as religiões há milênios buscam fazer para o homem, é transmitir práticas que nos ensinem a dinamizar essa consciência. Sensibilizar o aparelho para permitir que ele alcance conteúdos espirituais mais e mais sutis. E como dependemos do nosso corpo – matéria! – para entrarmos em contato com tudo que possa a nossa consciência, a forma de sensibilizar se dá através da emoção – que vem a ser uma consciência sutil mas amparada em processos biológicos.
O que faz a prática ritual é alinhar um conjunto de técnicas sagradas com uma doutrina. A sensibilidade e abertura proporcionada pela bebida que consagramos, pelos cantos, instrumentos e danças que utilizamos - quando direcionados pela emoção que buscamos dentro de nossos trabalhos - é que produzem a reverberação dentro de nosso ser, e que permitem que entremos em contato com as realidades superiores, com as instruções do astral, e com nossos Guias espirituais.
Será a força dessas emoções que servirá de combustível para a nossa consciência se elevar até aquele ponto em que as verdades transformadoras são reveladas. Aquelas verdades que, pelo seu poder, nos encaminham para a cura, para a evolução do caráter, para o entendimento que nossa consciência material proporciona, e para a comunicação com os seres da espiritualidade, do alto, da luz.
A emoção faz isso: a ponte entre nós e as estrelas.
Não de graça o chacra do coração é considerado o chacra do meio, do equilíbrio entre o alto e o embaixo, o mais material dos chacras mais sutis ( o 5 da comunicação, o 6 do terceiro olho e o 7 da coroa) e o mais espiritual dos chacras mais densos (o 1 da raiz, o 2 sexual e o 3 do poder pessoal).
Então o grande segredo de toda a nossa longa e breve caminhada sobre a face da terra, entre o nascimento e a morte, é encontrarmos técnicas para manter nosso coração avivado, como o de uma criança, como o de um apaixonado.
Como fazer isso se tudo ao nosso redor nos empurra para o esquecimento, para o amortecimento, para a dessensibilização? Porque o Tempo é um dos grandes Generais a serviço da matéria – se não rompermos o enigma dessa esfinge que acabará por nos devorar. Apenas se a decifrarmos será ele um General a serviço do divino.
Quando entramos nessa Doutrina, entramos encantados pelas transformações que ela produziu em nós. Vão se passando os anos e esse encanto, para alguns, vai se esmaecendo. Vai desbotando, se fragilizando. Então às vezes passamos a crer que nos iludimos, que fomos hipnotizados, porque não alcançamos mais a energia necessária para continuarmos nos transformando. Estagnamos. Paramos. Nossa fonte secou. Nosso coração ficou duro, como terra seca, onde nada mais brotou.
Não percebemos que o que aconteceu foi o contrário! Nossa transformação lá de trás era movida pela combustão de nossa emoção espiritual, pelo amor intenso pelo Caminho, pelo entusiasmo em enxergar todos os frutos e flores que as revelações possibilitavam colher. Mas nos deixamos tragar pelo cansaço, pela preguiça, pela soberba, deixamos de nos renovar, e nosso entusiasmo secou. É dessa Luz que nos afastamos, do Amor capaz de nos redimir, nos mobilizar e nos dar a garra e determinação de que necessitamos para promover as reformas íntimas por onde nossa energia vaza!
Precisava falar sobre esse tema: o Amor. Porque é dele que estamos falando todo o tempo! Para explicar de que modo essa Doutrina do Amor toca o nosso coração e nos transforma. E de que forma não conseguimos às vezes nos manter perto do Amor – e com isso vamos para longe do Caminho!
[1] Para certo pensamento budista, o êxtase seria um estado próximo da comunhão com o Todo. Assim sua busca em todos os seres seria o impulso de reencontrar-se com o divino, mesmo quando realizada de forma equivocada. Para esse pensamento, indivíduos aprisionados no sexo, na bebida, nas drogas seriam seres dotados de alta sensibilidade espiritual, apenas tendo escolhido o atalho errado em sua busca de religação.
[2] Emergência espiritual é um conceito trabalhado pela psicologia transpessoal, que tem entre seus liminares Stanilav Groff, por exemplo. Mas a tradição budista – tibetana, entre outras – desenvolveu sua psicologia milenar, e reconhece e classifica esses estados de perturbação, tendo criado métodos para lidar com eles e transformá-los em processos integradores da personalidade do indivíduo.Outros sitemas de crenças também desenvolveram métodos com esse fim.

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